30 de setembro de 2010

Poder para os blogueiros da China

Este momento era inevitável. Desde que a China começou a descascar o comunismo e se transformar em uma potência econômica global, seus líderes têm seguido a estratégia da “ascensão pacífica” –ser modesto, agir de modo prudente, não assustar os vizinhos e certamente não mobilizar alguma coalizão contra nós.

Mas nos últimos anos, com o modelo econômico americano tendo sofrido um embaraçoso choque autoinfligido, e com o “consenso de Pequim” zunindo, surgiram vozes na China dizendo que “o futuro nos pertence” e talvez devêssemos deixar que o mundo, ou ao menos a vizinhança, saiba disso um pouco mais afirmativamente. Por ora, essas vozes vêm em grande parte de generais aposentados e blogueiros radicais –e a liderança chinesa permanece cautelosa. Mas uma briga diplomática recente deixou os vizinhos da China, sem contar Washington, se perguntando por quanto tempo a China manterá a postura de gigante gentil.Com cerca de 70 milhões de blogueiros, os líderes da China estão sob constante pressão para serem mais assertivos por uma blogosfera de inclinação populista e nacionalista, o que, na ausência de eleições democráticas, está se transformando na voz de fato do povo.

A briga diplomática foi uma sessão do fórum regional da Associação das Nações do Sudeste Asiático, ou Asean, realizada em 23 de julho em Hanói. Estavam presentes ministros das relações exteriores dos 10 membros da Asean, assim como a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, e o ministro das relações exteriores da China, Yang Jiechi.

Segundo um dos diplomatas presentes no encontro, os ministros da Asean se revezaram de forma sutil, mas firme, no alerta para que a China recue de sua decisão de reivindicar “soberania incontestável” sobre o Mar do Sul da China rico em recursos, que se estende de Cingapura ao Estreito de Taiwan e até o Vietnã, e por onde passa aproximadamente metade das cargas mercantes do mundo. Acredita-se que ele contenha grandes reservas de petróleo e gás em seu leito, e recentemente a Marinha chinesa tem sido mais agressiva na tomada de barcos pesqueiros, por suposta violação de sua soberania lá. A China também se envolveu em disputas marítimas com a Coreia do Sul e o Japão.

À medida que um ministro após o outro se alternava no encontro da Asean em reafirmar sua posição a respeito do Mar do Sul da China ou argumentar que qualquer disputa territorial deve ser resolvida de forma pacífica e de acordo com a lei internacional, o ministro das relações exteriores chinês foi ficando cada vez mais agitado, segundo um participante. E após Clinton ter falado e insistido que o Mar do Sul da China era uma área onde os Estados Unidos têm “um interesse nacional” na “liberdade da navegação”, o ministro chinês pediu um breve adiamento e depois se manifestou.

Falando sem texto, Yang insistiu por 25 minutos que aquela era uma questão bilateral, não uma entre a China e a Asean. Ele olhou para Clinton durante grande parte de sua fala, que incluiu a observação de que “a China é um país grande” e grande parte dos demais membros da Asean “são países pequenos”, noticiou o jornal “The Washington Post”. O consenso na sala, disse o diplomata, era de que o ministro chinês estava tentando intimidar o grupo e separar os reivindicantes territoriais dos não reivindicantes, para que não pudesse haver uma ação coletiva da Asean e cada país negociasse separadamente com a China.

Assim que a reação negativa com o discurso de Yang chegou a Pequim, os líderes da China buscaram minimizar o caso, por temor de que após uma década de diminuição da influência americana na região, eles estavam prestes a empurrar todos seus vizinhos de volta ao abraço americano.

O quanto os líderes chineses conseguirão esfriar o assunto, entretanto, dependerá em parte de uma terceira parte: a blogosfera chinesa, onde toda uma geração de chineses educada pelo governo de que os Estados Unidos e o Ocidente desejam manter a China inferiorizada, agora possui seu próprio megafone para condenar qualquer autoridade chinesa que ceda demais como sendo “pró-americana” ou “um traidor”.
Interessantemente, a embaixada americana em Pequim começou a contatar essa mesma blogosfera –até mesmo convidando os blogueiros a viajarem no carro com o embaixador americano, Jon Huntsman, e entrevistá-lo quando visitar suas províncias chinesas –para transmitir a mensagem americana, sem o filtro da mídia estatal chinesa.

“Pela primeira vez a China tem uma esfera pública para discutir tudo o que afeta os cidadãos chineses”, explicou Hu Yong, um especialista em blogosfera da Universidade de Pequim. “Sob a mídia tradicional, apenas a elite tinha voz, mas a Internet mudou isso.” Ele acrescentou: “Nós agora temos uma mídia transnacional. É toda uma sociedade falando, de forma que agora pessoas de várias regiões da China podem discutir quando algo acontece em um vilarejo remoto –e a notícia se espalha por toda parte”. Mas este mundo de Internet “é mais populista e nacionalista”, ele prosseguiu. “Muitos anos de educação de que nossos inimigos estão tentando nos manter inferiorizados produziu toda uma geração de jovens cujo pensamento é este, e agora eles têm toda a Internet para expressá-lo.”

Fique atento. Os dias em que Nixon e Mao podiam administrar este relacionamento em segredo se foram. Há muito mais elementos instáveis em ação hoje, e muito mais agentes com poder para inflamar ou acalmar as relações entre os Estados Unidos e a China. Ou parafraseando a princesa Diana, há três de nós neste casamento.

Tradução: George El Khouri Andolfato
UOL notícias - 15/09/2010 - 02h16
Thomas L. Friedman - (Colunista de assuntos internacionais do New York Times desde 1995, Friedman já ganhou três vezes o prêmio Pulitzer de jornalismo).
Em Pequim (China)

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